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Channel: Crítica Daquele Filme
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Blue Ruin

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Com as próprias mãos.

Na sétima arte, retratar a morte de maneira realista é uma opção de inúmeras virtudes, mas obviamente de pouco alcance. Não existe glamour no realismo, não existe enfeite. O assassino, por mais experiente que seja, não possui a frieza calculada de um agente Bourne. A vítima, quando atacada, não tomba inerte automaticamente morta. Ela agoniza, estrebucha, uma cena digna de pena. 

Autores que prezam por veracidade não buscam entreter sua audiência da mesma forma que, digamos, Sylvester Stallone, com seus famosos personagens matadores de exércitos. Quem explora a morte com naturalidade visa estarrecer, e "Blue Ruin" de fato é um filme estarrecedor.

A história nos apresenta a um desmazelado protagonista chamado Dwigth. Destroçado psicologicamente por traumas do passado, ele vive seus dias em uma espécie de purgatório, como se pagasse penitência antecipada por atos que viria a cometer. De olhar extremamente vazio e fala mansa (quase escassa), o jovem mendiga por ruas praianas, comendo o lixo dos outros e invadindo casas para se lavar.

Na verdade, o pobre coitado foi consumido por um desejo, e não restou muito dele depois disso. Dwight almeja vingança, pura e simplesmente - atitude condenada pela lei dos homens, mas que de forma velada é também digna de respeito. Após executar o plano, o mesmo precisa lidar com as consequências, pois seu direito de vingança valida o de outros. Aprendendo a matar e fugir de maneira grosseira - mas funcional -, Dwigth inconscientemente deposita o peso de seus atos nas costas de inocentes, e isso ele não pode permitir.



"Blue Ruin" foi dirigido por Jeremy Saulnier, novato que possui um talento especial para a fotografia. Neste quesito a obra oferece um conceito muito bem definido: enquadramentos se revelam sempre concisos e criativos, e a iluminação auspiciosa agrada aos olhos. Sua narrativa constrói cenas grandiosas, de ritmo eficiente e ambientação imersiva. Um trabalho técnico exemplar, medido com exatidão. A densa trilha sonora e a ótima cenografia também se destacam.

Já o roteiro fica gravado no inconsciente da audiência. A construção dos personagens é com certeza o ponto mais forte do trabalho. Como foi dito antes, não espere muita perícia do assassino protagonista. Em determinados momentos é quase hilário vê-lo executar seus planos. Como todo ser humano normal, ele eventualmente falha quando se encontra sobre pressão. Mas Dwight sabe se virar. Acima de tudo, ele tem colhões para agir sem arrependimentos, puxar o gatilho por assim dizer. No final isso faz toda a diferença.

O desconhecido ator Macon Blair (amigo de longa data do diretor) personifica um protagonista complexo, dono de uma duplicidade enorme. Ao mesmo tempo em que Dwight parece apático e inocente, percebemos também dentro dele uma raiva corrosiva, praticamente debilitante. Seu comportamento educado e formal é apenas um resquício de sua humanidade posterior, que fatidicamente já não existe mais.



O restante do elenco também chama atenção, em especial os atores Kevin Kolack e Devin Ratray. O primeiro interpreta o perigoso Teddy Cleland, sujeito pouco apegado a Dwight (vamos dizer somente isso). Já Ratray, ator de histórico voltado mais para comédias (vide "Nebraska"), dá vida ao amigo Ben Gaffeney, apreciador de Heavy Metal e entusiasta do armamento tático. Ele se torna peça fundamental na história do protagonista, e aproveita para inserir um pouco de humor na trama, mesmo que mórbido.

"Blue Ruin"é daqueles filmes que depois de finalizados continuammaquinando dentro de sua mente. É algo estarrecedor, que explora a violência humana em sua plenitude. A história, de contornos extremamente realistas, consegue racionalizar as motivações e situações que levaram um sujeito aparentemente normal a se tornar um assassino sem remorsos, capaz de matar com as próprias mãos. É a tristeza que leva a ruína.



Blue Ruin: 2013/ EUA/ 90 min/ Direção: Jeremy Saulnier/ Elenco: Macon Blair, Devin Ratray, Amy Hargreaves, Kevin Kolack, David W. Thompson


O Homem Duplicado (Enemy)

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"O caos é uma ordem por decifrar"

A primeira impressão do surreal "O Homem Duplicado" (e estou falando daquela impressão que vem imediatamente com os créditos finais, sabe?) é de que o filme, apesar de interessante tecnicamente, falhou em suas intenções. Esta é uma percepção precoce, pois a sobrevida da obra em nosso inconsciente é impressionante, e gera uma satisfatória teorização e discussão dos argumentos apresentados.

A trama, adaptada da obra homônima de José Saramago, gira em torno de Adam e Anthony, homens idênticos, que por "algum motivo" não são simplesmente gêmeos perdidos. Quando os dois se deparam com esta realidade duplicada, um desejo ávido por respostas começa a perturbá-los. Só que neste estranho momento de suas vidas, respostas não se fazem uma opção tão simples.

A luxúria é uma dominante inquietação de ambos. Distorções de identidade criam complexos e lúdicos caminhos, que servem como tentativas de redimir a culpa do desejo que sentem por mulheres proibidas. Eles não parecem satisfeitos com o que têm, e como ouroboros, traçam um movimento cíclico, uma dança de aparências em que não se sabe ao certo onde um termina e o outro começa. E assim outra vez.



O trabalho foi conduzido pelo canadense Denis Villeneuve, profissional de qualidades autorais e técnicas bastante evidentes, tendo em vista seus ótimos filmes "Os Suspeitos" e "Incêndios". Sua linguagem obtém aparência mórbida quando a fotografia amarelada queima com frieza paisagens bucólicas, oriundas de uma Toronto estranhamente perdida em outra dimensão. A atenção de Villeneuve com a transmutação da cidade é de fato um ponto de destaque. Ele consegue fazer do local uma lembrança incômoda, um lugar desumanizado. E a trilha sonora imersiva completa a montagem do cenário.

Mas apesar do andamento ser eficiente, dentro da morosidade contemplativa que o filme oferta, é possível perceber que durante toda projeção a audiência não recebe o incentivo narrativo necessário para relevar a estranheza da surrealidade proposta. Fica a impressão de que o filme tenta te enganar, vendendo-se como um suspense comum, mas que na verdade, lentamente, se revela algo subjetivo. Isso não desvaloriza a produção de maneira enfática, mas gera certa negatividade, o que não deixa de ser um problema.



No entanto, outro ponto que favorece "O Homem Duplicado"é a surpreendente interpretação de Jake Gyllenhaal. Ele faz com que sutis diferenças psicológicas e comportamentais dos personagens protagonistas sejam extremamente distintas. É fácil esquecer o fato de que vemos o mesmo ator personificando duas pessoas – algo similar ao papel de Jeremy Irons em "Gêmeos - Mórbida Semelhança". Enfim, um trabalho eficiente do intérprete nesta segunda parceria com Villeneuve (ele também participou de "Os Suspeitos").

Em resumo, "O Homem Duplicado"é um filme que vale a pena ser visto, principalmente por seu afinco técnico/interpretativo. A história encontra, durante determinado período, certa dificuldade conceitual de se fundamentar como uma peça surreal. Porém, quase contraditoriamente, a direção focada de Villeneuve consegue valorizar toda a relevância do tema de Saramago, fazendo com que estas ideias e perguntas permaneçam na mente de todos, em constante processo de elucidação.





O Homem Duplicado/ Enemy: 2013/ Canadá, Espanha/ 90 min/ Direção: Denis Villeneuve/ Elenco: Jake Gyllenhaal, Mélanie Laurent, Sarah Gadon, Isabella Rossellini

The Double

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"Simon James não existe mais"

Coincidentemente, após comentar o interessante O Homem Duplicado, tive a oportunidade de assistir outro filme de conceito semelhante, intitulado The Double. A obra é conduzida com eficiência por Richard Ayoade, sujeito sempre improvável, conhecido por seu trabalho como ator na cultuada série geek The It Crowd, e também por seu ótimo longa de estreia como diretor, o intimista Submarine.

O elenco de The Doubleé encabeçado por Jesse Eisenberg, e quem conhece o trabalho de Ayode, perceberá em Eisenberg certa semelhança no estilo de se fazer humor. É algo robótico e verborrágico. Na verdade, as únicas diferenças entre os dois são que Ayode é negro e britânico, enquanto Eisenberg é branco e americano.

O filme é uma adaptação do clássico homônimo de Fyodor Dostoyevsky, em que o protagonista chega à beira da loucura ao perceber que sua vida foi roubada por um doppelgänger, uma espécie de clone maligno. Abordando o tema de maneira contemporânea, Ayode faz da história uma simbólica análise do medo que domina o homem, sua solidão, comportamentos encarcerados e ausentes de espontaneidade. Mas esta é apenas uma face da moeda.


Tudo gira em torno de Simon James. O jovem possui certa afeição obsessiva por Hannah, garota que faz fotocópias na agência governamental em que trabalha – mas o sentimento não é recíproco. Apesar de possuir um intelecto superior, Simon não se destaca como funcionário, muito pelo contrário, é alvo de um constante bullying alavancado por seu chefe. 

No entanto, o real problema surge quando James Simoné contratado – o clone. Como o próprio nome sugere, James é exatamente o oposto de Simon: não possui intelecto algum, mas por ser manipulador e inescrupuloso, consegue usurpar ideias de seu clone submisso, e assim passa a ser idolatrado no emprego. Além disso, ele faz muito sucesso com as mulheres, inclusive com Hannah. Logo esta situação começa afetar Simon profundamente. 

Tecnicamente, o trabalho de Ayode é muito bem medido. A cenografia oferta ambientes escuros, sempre internos, claustrofóbicos, e neste ponto a iluminação se torna um elemento de destaque. O texto é preciso, o andamento funciona muito bem, a trilha sonora promove estranheza, e o competente trabalho de Mia Wasikowska e (principalmente) Jesse Eisenberg faz da trama um conto morbidamente instigante de se acompanhar. Subjetivo e inesperado.


Talvez a única fraqueza da produção seja o desvio de caráter do gênero proposto. O tom funesto e melancólico por vezes contrasta de maneira problemática com o humor obrigatório do diretor. Em Submarine, a receita "melancolia & humor" funciona perfeitamente, mas neste The Double o tema parece muito pesado para isso. Uma linguagem diferenciada nos faz rir com facilidade no início, mas no final, a fita é mais dramática e carregada de suspense do que qualquer outra coisa.

Mesmo assim, o que vemos é uma realização acima da média. O talento de Ayoade se faz notar, sendo o resultado um longa interessantíssimo. Como foi dito, a dupla de atores, Eisenberg e Wasikowska, realiza um trabalho motivado, e seus personagens criam um estranho vínculo com a audiência, segurando vividamente a atenção de todos até o fatídico desfecho, que guarda ótimas surpresas. Recomendado.



The Double: 2013/ Reino Unido/ 93 min/ Direção: Richard Ayoade/ Elenco: Jesse Eisenberg, Mia Wasikowska, Wallace Shaw, Craig Roberts, Chris O'Dowd, Paddy Considine, Sally Hawkins

O Congresso Futurista (Le Congrès)

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Um futuro absurdo e desnecessário nos aguarda.

Ari Folman faz cinema como bem entende, e isso é ótimo. O diretor israelense ficou conhecido internacionalmente após a repercussão estrondosa de sua obra prima, Valsa com Bashir, uma belíssima animação documental que remonta, por meio de memórias dele e de outros sobreviventes, os massacres da Guerra do Líbano em 1982. De fato, a proposta na época foi algo nunca visto: um documentário que transmuta de maneira poética e visualmente deslumbrante, não só os acontecimentos narrados, mas também os sentimentos dos narradores. 

Mas a última empreitada de Folman não é menos desafiadora ou criativa do que isso. Neste novo trabalho, suas influências continuam claras, transgressoras, transformadoras. No entanto, pouco se ouviu falar na mídia de O Congresso Futurista, talvez porque sua complexidade temática não o faça um produto de venda, e sim de debate (uma mortificante contradição). O filme foi - como o próprio diretor atesta - em parte inspirado no livro de ficção científica e humor negro O Congresso Futurológico, do famoso escritor polonês Stanislaw Lem - cuja obra Solaris também já foi adaptada algumas vezes para o cinema, uma delas por Andrei Tarkovsky (adaptação que não agradou muito o autor).



A história de O Congresso Futuristaé dívida em três partes completamente distintas. A primeira é voltada quase que exclusivamente para a análise da carreira e personalidade da atriz Robin Wright, que na produção interpreta a si mesma. Ela vende seu "Eu" para Hollywood, que a partir dali não precisa mais de sua presença física nos filmes (uma crítica sagaz inspirada na desumanização interpretativa do blockbusterAvatar). Com este contrato, ela aceita não trabalhar em produções cinematográficas, profissionais ou não, para sempre, ou enquanto isso durar. 

Entenda o seguinte: Folman é a mente criativa por trás desta fábula, enquanto Wright é o corpo, alma e todos os sentimentos. É bizarra a forma invasiva com que o obra descreve a atriz, sua carreira, suas falhas e seus medos. Cate Blanchett era a primeira opção de Folman para a fita, mas o mesmo afirmou que depois de conhecer Wright, teria de ser ela. E isso foi fundamental para a própria estruturação do roteiro, pois fatos pessoais, até mesmo íntimos da vida da atriz, são a base do texto (Wright recusou 14 papéis consecutivos, nunca se tornando a grande atriz que poderia ser). Uma linha tênue, quase invisível, entre realidade e ficção, algo extremamente corajoso, que te faz enxergar a bela mulher com novos olhos admirados.



Já a segunda parte tem efeito lisérgico. O filme se transforma em uma alucinante animação, que pode ser definida tecnicamente como a mistura psicodélica de Yellon Submarine, com os traços cartunescos clássicos de Fritz the Cat. Este ato se passa no Congresso Futurológico de Stanislaw Lem, uma cortesia da mega corporação Miramont Nagasaki, fusão empresarial de entretenimento com a indústria farmacêutica de drogas alucinógenas e psicotrópicas.  

Em um hotel com cem andares, pessoas se amontoam em uma festa sem fim, consumindo umas às outras, alucinando todos os desejo que lhes vêm à cabeça. Qualquer personagem ou coisa pode ser emulada. Robin Wright visita e finalmente conhece uma humanidade perdida no espaço e tempo de suas próprias mentes. Um lugar onde ela é uma espécie de rainha. 

E por fim, o terceiro ato é o resto, é aquilo que sobrou.



Em resumo, apesar de falar do futuro, a mensagem de Folman é, acima de tudo, atual e extremamente pessimista. Embora Wright seja um símbolo da incansável busca humana por autoconhecimento, de maneira peculiar, o diretor nos fala que a ignorância, a falta de personalidade e a hipocrisia da sociedade serão sua própria ruína. Em uma comunidade em que todos se tornaram escravos da tecnologia e suas interações sociais remotas, pessoas já não sabem quem são, pois nada do que é dito neste espaço fabricado se traduz como verdade absoluta.

Com a distância velada e a alienação que lhe é inerente, o resultado é o repúdio ao contato e a desvalorização do ser humano. Sendo assim, para que um desses humanos, uma atriz no caso, consiga tornar sua imagem evidente em meio ao coro de desalmados, ela deve ser propriedade, ser usada e digerida de qualquer forma existente, pois orgulho próprio não tem lugar neste desnecessário e absurdo mundo novo, o importante é parecer bem, agora se isso é verdade ou não já não interessa, não vende. Do compartilhamento desenfreado da informação o que emerge com mais rapidez é o lixo, e deste culto vem a transformação. Recomendado.






O Congresso Futurista/ Le Congrès/ The Congress: 2013/ Israel, Alemanha, Polônia, Luxemburgo, França, Bélgica / 122 min/ Direção: Ari Folman/ Elenco: Robin Wright, Harvey Keitel, Jon Hamm, Paul Giamatti, Kodi Smit-McPhee, Danny Huston, Sami Gayle

The Broken Circle Breakdown

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Círculo imperfeito.

O cinema contemporâneo da Bélgica poucas vezes se fez tão contundente como em The Broken Circle Breakdown. De tom muito diferente da produção conterrânea, tóxica e punk, Ex-Drummer, o filme oferece uma imagem menos negativa do país, e constrói uma ode rústica ao amor, suas glórias e desgraças, tudo ao ritmo de um puríssimo bluegrass belga/norte americano- acredite se quiser. 

Na história, somos apresentados ao casal Didier e Elise. Ele, aficionado pelos Estados Unidos, é o vocalista e coração de uma banda de bluegrass. Ela, tatuada dos pés à cabeça com temas oldscholl, é uma autêntica pin-up, que convenientemente tem uma belíssima voz. A relação entre os dois se fortalece rapidamente, e uma gravidez inesperada oficializa a união. Mas os problemas surgem quando a filha Maybelleé diagnosticada com uma doença grave, e dali pra frente a parceria deles começa a ser testada de maneira severa, assim como a compreensão e tolerância de suas próprias crenças.



Talvez o fato mais impressionante desta produção independente seja a qualidade alcançada com tão pouco dinheiro. O diretor Felix van Groeningen operou um verdadeiro milagre com os escassos 30 mil dólares disponíveis, e conduziu um filme esteticamente preciso e de narrativa impecável. O texto é uma adaptação da peça homônima escrita por Mieke Dobbels e Jhohan Heldenberg, sendo este último o ator que personifica o protagonista Didier. Já a atriz que interpreta Elise, Veerle Baetens, possui uma extensa formação musical e já ganhou importantes premiações belgas do gênero.

Além do elenco entregar puro realismo, um dos pontos de maior destaque é a incorporação dessas belíssimas canções americanas em meio ao tema, todas interpretadas com visível inspiração pelos atores. Outro elemento agregador, que torna o ritmo algo extremamente fluído, é a atemporalidade das cenas. O roteiro revela pedaços de um quebra cabeça, e apesar do quadro geral parecer claro, sempre falta uma peça surpresa.



Jogar com a não linearidade de passado e presente de uma história de amor, foi algo feito pelo também excelente Blue Valentine. Mas aqui a proposta é mais urgente, carregada de uma tristeza factual menos individualista, mais pungente. Um confronto acerca da crença e descrença em deus parece surgir meio que repentinamente, mas o mesmo se faz importante e coerente dentro da trama.

No final, The Broken Circle Breakdowné um produto independente feito com dedicação sem igual, e suas interpretações são profundamente pessoais. A história evoca uma melancolia arrasadora, só que ao mesmo tempo fundamenta a cativante história de amor do casal, embalada por um ritmo sulista americano improvável.

Como disse o ex-beatle George Harrison, "todas as coisas devem passar", ou seja, tanto tristeza como alegria. Este é o verdadeiro círculo a que devemos nos atentar, pois ele não se quebra. Recomendado.     

PS: A fita concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014.




The Broken Circle Breakdown/ Alabama Monroe: 2012/ Bélgica, Países Baixos / 111 min/ Direção: Felix Van Groeningen/ Elenco: Veerle Baetens, Johan Heldenbergh, Nell Cattrysse, Geert Van Rampelberg

Transcendence - A Revolução (Transcendence)

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Transcendência sem significado.

A ideia central de Transcendenceé bem interessante. Ela propõe um cenário de evolução tecnológica em que o intelecto de uma pessoa pode ser compactado e transformado em arquivos de computador, prontos para upload. Esta consciência emulada teria as lembranças, pensamentos, até mesmo os desejos e sentimentos da mente original. Para todos os efeitos, seria uma pessoa sem corpo físico, mas teria alma afinal?

O cientista Will Caster (Johnny Depp) é o famoso nome por trás do estudo. É óbvio dizer que tamanha ousadia, que possibilita a criação de um ser onipotente, onipresente e onisciente(basicamente o google com vontade própria) desagradaria muita gente. E depois de sofrer um atentado fatal de cunho religioso, Caster se torna o candidato ideal para sua própria criação, que até aquele momento havia sido testada apenas em cobaias.

Com toda a informação do planeta em sua mente, ou melhor dizendo, em seu quase infinito HD interno, Caster inicia uma série de desenvolvimentos tidos como inconcebíveis, visando assim expandir sua influência. Ele oferece soluções permanentes para debilitantes mazelas de nossa sociedade, um salto vertiginoso no futuro, que tornaria tudo extremamente mais fácil e barato no campo da medicina, geração de energia, nanotecnologia, sustentabilidade ambiental, etc. Agora eu pergunto: que raça humana seriamos nós se aceitássemos milagres de um ser onipotente, cuja existência é incontestável? Seríamos escravos, certo?



Ironias à parte, o principal problema da história de Transcendence foi lidar com escopo de sua própria ousadia. Criar reviravoltas humanísticas diante da ascensão de uma divindade tecnológica não é algo tão simples de desenhar, pelo menos quando a abordagem tenta ser realista. Sendo assim, depois que Caster é estabelecido como vilão da fita, as motivações do elenco são obrigatoriamente guiadas por um raciocínio de pouca lógica, no intuito de favorecer a derrota do todo poderoso. 

Isso fatidicamente dita a falta de coerência e naturalidade das cenas e narrativa, com personagens mudando de perspectiva sem uma base sólida de argumentos, entre outros problemas de construção e desenvolvimento dos mesmos. Em certo momento, vemos um estapafúrdio grupo de coalizão surgir, e sua importante missão é: elaborar soluções improvisadas que convenientemente funcionam, sendo que no final, mais da metade deste mesmo grupo é sucateado e esquecido pela trama, para que assim o desfecho consiga existir... mas de longe convencer. Uma bagunça.    

Visualmente temos algumas ideias interessantes. A construção das sequências não desfruta de muita criatividade e o andamento não é dos melhores, mas o diretor Wally Pfister possui extenso background como diretor de fotografia, e isso faz com que a experiência não seja desagradável aos olhos, pois iluminação e enquadramento combinam.



Já o time de atores é incapaz de alcançar algo além da mediocridade com suas personas (entre os nomes estão Morgan Freeman, Rebecca Hall, Paul Bettany, Cillian Murphy e Kate Mara). Johnny Depp, o único que poderia trabalhar um perfil mais aprofundado para seu protagonista cientista, parece impossibilitado de se animar com a produção. Ele oferece aquela mesma interpretação dos últimos tempos, de cara e olhos cansados, meio que consciente de que nada ali está funcionando. No entanto, quando o mesmo se torna "robótico", auxiliado por toneladas de efeitos especiais, e não precisando demonstrar sentimentos, as coisas melhoram um pouco.  

Por fim, Transcendence se perde em meio a revolução que propõe. As escolhas que conduzem o desfecho da história são baratas e rasteiras, algo bem americanista como: "devemos explodir esse miserável em um milhão de pedaços, mesmo que seja para voltar à idade da pedra, evitando a purificação de todos os rios e oceanos do mundo, evitando que pessoas paraplégicas voltem a andar, evitando até mesmo a cura do câncer. Fuck Yeah!!".

Seria interessante acompanhar uma abordagem que verdadeiramente explorasse essa complicada discussão humana, dividida entre aceitação e repúdio. Teríamos algo novo dentro do gênero, e não apenas um amontoado de ideias sem propósito algum. Não recomendado.





Transcendence - A Revolução/ Transcendence: 2014/ Reino Unido, China, EUA / 119 min/ Direção: Wally Pfister/ Elenco: Johnny Depp, Morgan Freeman, Rebecca Hall, Paul Bettany, Cillian Murphy, Kate Mara, Cole Hauser, Clifton Collins Jr.

Guardiões da Galáxia (Guardians of the Galaxy)

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É nos confins do universo que se encontra a diversão.

Vamos começar pelo óbvio: Guardiões da Galáxiaé o melhor filme da Marvel. Melhor que o Cara de Lata, melhor que o Soldado Invernal, melhor até mesmo do que a bendita Iniciativa Vingadores. A HQ homônima, criada originalmente por Arnold Drake e Gene Colan, e repaginada por Dan Abnett e Andy Lanning, não é a mais famosa do universo Marvel, mas sua adaptação para Hollywood conseguiu transcender o gênero "filme de herói", se tornando um clássico instantâneo do cinema de aventura, ação e Sci-Fi.

Por entre planetas abarrotados de seres bizarros e mulheres coloridas estranhamente atraentes, surge uma trama bastante simples: um certo grupo de desajustados (rebeldes, interesseiros, soldados...) tem de unir forças para derrotar um inimigo em comum. Para isso, eles precisam lidar, da melhor forma possível, com uma carga preciosa de poder incalculável.

Ok, ok, a premissa pode parecer comum. Mas é na construção dos personagens que se encontra o grande mérito de os Guardiões da Galáxia.



O ótimo roteiro, talhado pelo diretor James Gunn em parceria com Nicole Perlman, consegue explorar a fundo a personalidade de seus protagonistas, elucidando cada cicatriz, se fazendo entender a cada piada, justificando mudanças de comportamento e motivações com argumentos sólidos, extremamente convincentes e hilários em quase todos os momentos determinados momentos. 

Os autores celebram a individualidade de seus personagens esmiuçando suas particularidades e sentimentos, os tornando especiais a sua própria maneira. Ao mesmo tempo, conduzem de forma cadenciada a aproximação dos mesmos. Em outras palavras, o texto faz destes indivíduos únicos um grupo inseparável, e isso sem forçar a barra em momento algum.

Tecnicamente o filme é deslumbrante. Toda a ambientação é altamente imersiva, sets incríveis nos fazem esquecer o árduo trabalho da cenografia, maquiagens transformam completamente os atores, e os efeitos especiais nos levam a crer que um guaxinim pode mesmo manusear com precisão um poderoso rifle espacial. A profundidade do 3D, muito bem utilizado diga-se de passagem, completa o pacote. A trilha sonora também é parte importantíssima da história, quase um alicerce, e dificilmente poderia ser melhor. Temos clássicos e mais clássicos, hits eternos, agora intergaláticos.



A escolha de James Gunn como diretor da produção foi o bilhete premiado da Marvel. No currículo dele vemos desde a série cômica sobre pornografia PG Porn, até o interessante Seres Rastejantes e o quase correto Super. Mas em Guardiões... o cara alçou voo rumo as estrelas. Seu trabalho é preciso. Cada cena é orquestrada de maneira calculada, e ele sempre encontra o ritmo perfeito para navegar entre humor, ação e drama. Enquanto ainda sentimos a adrenalina de uma vertiginosa cena explosiva, somos acertados em cheio por lágrimas improváveis, que logo se transformam em gargalhadas. Uma combinação infalível.

Encabeçando o grupo de guardiões está Chirs Pratt como Peter Quill, também conhecido (ou nem tanto) como o legendário fora da lei Star-Lord. Quem conhece o trabalho de Pratt, principalmente na série Parks and Recreation, sabe as infinitas possibilidades de humor sem noção que o sujeito é capaz de propor. Zoe Saldana por sua vez encarna a agressiva Gamora, uma órfã verde de habilidades letais e com sede de vingança. 

Bradley Cooper realiza a dublagem do pequenino guaxinim Rocket, um trabalho vocal excepcional do ator. O lutador de wrestlingDave Bautistaé uma grata surpresa como Drax – o brutamontes é responsável por algumas das piadas mais engraçadas do longa. E, teoricamente, Vin Dieselé Groot, um monstro planta brutal e tremendamente amigável. Parece um bicho de estimação gigante.



Tanto os protagonistas como o elenco de apoio trabalham de forma memorável. Conduzidos por uma direção que sabe exatamente o que quer, eles basicamente colaboram com a edificação destes incríveis personagens. A impressão que fica é que parece não existir espaço para erros que comprometam qualquer atuação. Embora alguns atores acabem pouco explorados pela trama, nada se torna desconexo, e em meio a tantos núcleos diferentes, tudo se amarra satisfatoriamente.

Enfim, Guardiões da Galáxia pode ser definido como entretenimento épico. Diante de tamanho sucesso e qualidade autoral, arrisco dizer que a geração Z ganhou seu Star Wars, pois parece impossível não comparar este filme com o clássico Sci-Fi de George Lucas. Star-Lord é praticamente uma mistura sagaz de Han Solo com Luke Skywalker, cheio de mistérios e de porra-louquice. O Episódio VII de J.J. Abrams acaba de ganhar um competidor à altura. Ouga Chaka Ouga!

ps - Não perca a chance e assista esse filme na maior sala de cinema que puder.


       

Guardiões da Galáxia/ Guardians of the Galaxy: 2014/ EUA / 121 min/ Direção: James Gunn/ Elenco: Chris Pratt, Zoe Saldana, Dave Bautista, Vin Diesel, Bradley Cooper, Lee Pace, Michael Rooker, Karen Gillan, Djimon Hounsou, John C. Reilly, Glenn Close, Benicio Del Toro, Peter Serafiowicz

Video Games: The Movie

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Video Games: The Movie tem uma narrativa pouco prática, mas o tema é suficientemente relevante.

Pouco tempo atrás comentei - na crítica do excelente Indie Game:The Movie - que já estava mesmo na hora de documentários sobre o universo gamer surgirem aos montes. 

Afinal, o tema não poderia ser mais relevante: este é um mercado de entretenimento bilionário, que financeiramente deixa super produções hollywoodianas comendo poeira, e que também representa uma incomparável evolução tecnológica de nossa sociedade. 

Seguindo esta lógica, foi lançado o independente Video Games: The Movie, que apesar de não ser perfeito como um todo, vale a pena ser conferido, principalmente por aqueles que são viciados no tema. O diretor novato Jeremy Snead conseguiu reunir entrevistados de peso, verdadeiros pioneiros na arte de se fazer e vender games. É um cast de respeito, que concede uma vida extra para o projeto. 

Tecnicamente o filme não decepciona. A edição finalé dinâmica e criativa, montagens com famosas cenas de games surgem a todo momento, e a trilha sonora passeia por clássicos do rock (que servem para exemplificar décadas), até hits eletrônicos pegajosos. Completando os atrativos oferecidos, a narração é feita pelo nerdístico Sean Astin, ator conhecido pelo papel do hobbit Sam, na trilogia O Senhor dos Anéis.



Video Games: The Movie esmiúça as origens dos primeiros protótipos de jogos, questionando quem foi de fato o criador original deste conceito de diversão. Também podemos entender melhor a ascensão da mítica Atari, até sua derradeira queda, que teve como símbolo o fracasso retumbante do jogo E.T. - O Extraterrestre (uma vergonha enterrada no passado da empresa). 

Outro ponto interessante é perceber que, devido a uma necessidade crescente de identificação do público com os jogos, surgiram os complexos personagens da Nintendo. Tempos depois, a força comercial da Sony se revelou arrasadora, arrebatando milhares de novos fãs com seu poderoso Playstation. Coincidentemente, logo em seguida, a Microsoft decidiu entrar na briga com o XBOX. E por aí vai. Todas estas diferentes linhas históricas apresentadas pelo documentário nos guiam até a chegada da nova geração de máquinas: WiiU, XBOX ONE e PS4. 

Vale lembrar que temas paralelos também estão presente, como a eterna polêmica da influência de jogos violentos na sociedade, até a melhor qualidade do ensino quando games são uma opção nas escolas (algo bem contrastante, não é verdade?). 

Só que mesmo sendo este um assunto infinitamente interessante de se acompanhar, Video Games: The Movie comete alguns erros que comprometem o resultado final. O principal deles se encontra no andamento da obra, mais especificamente na montagem de sua timeline

Fica claro que a intenção dos realizadores foi, antes de tudo, estabelecer o presente do universo gamer para assim conseguir investigar seu passado. Só que para isso a narrativa vai e volta no tempo sem cerimônias, pulando décadas na frente para comparar passado com futuro, e vice versa. Essa falta de linearidade da narrativa - que afinal, fala de uma evolução histórica - é no mínimo bem estranha, para não dizer confusa.



Outra fraqueza evidente da produção é a incapacidade de expandir o tema de maneira mais complexa. O foco é voltado quase que exclusivamente para os consoles, sendo que boa parte da trajetória dos games, por exemplo, também passa pelo PC - a evolução da plataforma é citada de maneira insignificante. Isso pode provocar certa frustração, principalmente para quem espera ouvir um pouco mais sobre a importância de clássicos como Doom para o gênero FPS (sim, eu curto muito Doom!). O mesmo acontece com o cenário de games independentes, que é simplesmente lembrado e ganha uma montagem.

Mesmo assim, como foi dito, Video Games:The Movie vale a pena ser visto. O documentário erra feio em algumas opções, mas oferece pontos de vista relevantes, de pessoas aficionadas pelo tema, que estão envolvidas na mídia por trás do mercado. O filme concede também (e principalmente) a palavra aos desenvolvedores, aqueles que ajudaram a fundamentar todo este universo, moldar nossos personagens preferidos, alavancar vendas e projetar empresas para eternidade, e isso é bem maneiro. Recomendado.





Video Games: The Movie: 2014/ EUA / 105 min/ Direção: Jeremy Snead/ Elenco: Sean Astin, Zach Braff, Cliff Bleszinski, Nolan Bushnell, Reggie Fils-Aime, Donald Faison, Al Alcorn, Peter Armstrong


Ursos (Bears)

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Ursos nos apresenta um verão em família diferente.

O documentário Ursos, da Disneynature, acompanha todos os desafios, sacrifícios e também diversão de uma mãe urso com dois filhotes recém-nascidos. A proposta do filme é demonstrar como o primeiro ano de vida dos pequeninos peludos é o mais importante. A maioria não sobrevive a ele. 

Neste trajeto, cujo destino é a uma enorme barriga cheia para o inverno, a mãe urso Sky e os filhotes Amber & Scout descem por montanhas congeladas, nadam por rios perigosos, curtem o prazer de pescar um suculento sushi de salmão, entre outras coisas.

A fita foi dirigida pelos experientes Alastair Fothergill e Keth Scholey, nomes ligados a diversos trabalhos relacionadas ao tema, como a série Planeta Gelado da BBC, e os longas Terra e Reino dos Felinos.

A qualidade técnica da obra é seu grande destaque. É óbvio que nos dias de hoje deslumbre visual se tornou um critério obrigatório para esse tipo de produção, mas em Ursos as escolhas narrativas vão mais além. Existe certa maestria na forma com que as imagens são trabalhadas. 

Câmeras de altíssima qualidade captam todo e qualquer ângulo que desejam, com riqueza de detalhes, de forma belíssima. A equipe de filmagem é enxuta e basicamente divide os ambientes com os animais. A proximidade impressiona, e a tensão fica evidente na tela.

Edição e trilha sonora são precisas, e montam um cenário quase lúdico para os animais. Parece até que os bichos estão cientes do que está acontecendo, e resolvem fazer graça para o público. A ótima narração do ator e comediante John C. Reilly provém humor na medida certa, algo bem família, mas sem soar piegas ou coisa assim.

Para quem aprecia documentários do gênero, Ursosé mais que recomendado.




Ursos/ Bears: 2014/ EUA / 78 min/ Direção: Alastair Fothergill, Keith Scholey/ Elenco: John C. Reilly

O Melhor Pai do Mundo (World's Greatest Dad)

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Um dos melhores e menos conhecidos trabalhos de Robin Willians.

O suicídio de Robin Willians exemplifica pelo menos duas verdades: nada é o que parece, e a depressão é um mal que deve ser levado a sério. Mesmo lutando contra seus demônios, Willians foi lembrado por seus amigos como alguém generoso e amável, além disso, era também um dos maiores atores de nossa geração. Nem tudo que fez foi sucesso, muitas escolhas erradas fazem parte de sua história, mas houve indiscutíveis momentos de pura genialidade, de autêntico brilhantismo, fortes o suficiente para transformá-lo em uma lenda.

Tempos atrás, anotei em minha lista de "filmes que devo assistir", o pouco conhecido O Melhor Pai do Mundo, trabalho elogiado pela crítica no ano de seu lançamento (2009), mas que não chamou atenção do grande público. Nele, Willians interpreta o professor de poesia e escritor injustiçado chamado Lance, que depois de encontrar seu filho morto em um vergonhoso acidente, resolve mentir sobre o acontecido, fazendo com que tudo pareça um suicídio. Para isso, além de mover o corpo, ele também escreve uma carta de despedida.



Logo a tal carta se transforma numa sensação em seu colégio (local de trabalho do pai e de aprendizado do rapaz). O profundo conteúdo da despedida suicida mexe com as emoções de todos, tocando e transformando psicologicamente alunos e professores. Depois de ser recusado por diversas editoras, Lance tem seu trabalho como escritor apreciado pela primeira vez. Sendo assim, ele mais que rapidamente (como um autêntico ghost writer) elabora um suposto diário do problemático filho, intitulado "Você não me Conhece", que também se torna um sucesso, ganhando repercussão nacional. 

Mas a grande ironia por trás de toda essa comoção é que o filho de Lance era um grandessíssimo cretino. Um deturpado sexual que já não se satisfazia com apenas pornografia comum. Ele curtia coisas bem bizarras. Além disso, tratava a todos como lixo, principalmente seu atencioso e amável pai. Quando você assistir este filme, vai desejar que o fedelho seja atropelado por um caminhão ou decapitado de alguma forma. 

Sendo assim, com estas informações sobre a mesa, o longa explora todos os valores e hipocrisias inerentes deste verdadeiro circo midiático, que transformou um moleque que sonhava em defecar nos outros em uma espécie de Che Guevara da sabedoria, com sua imagem estampando camisetas e broches.



Tecnicamente, O Melhor Pai do Mundoé estranhamente funcional. Esta é uma produção de baixíssimo orçamento, só que mesmo com suas limitações, tudo caminha de maneira cadenciada, agradável e despretensiosa, fazendo com que a questão "arrojo visual" se torne apenas um posto de vista. A trilha sonora, composta em sua maioria por canções indie melosas e grudentas, parece forçar a barra, mas como já disse, estranhamente funciona, ainda mais com uma grata canção surpresa no final. 

Mas a pedra fundamental do filme é de fato o excelente roteiro original do diretor Bobcat Goldthwait. O conceito da obra é tão bem elaborado, e os personagens são tão bem moldados, que os problemas de orçamento são relevados, a inexperiência do elenco de apoio é usada a favor, e até mesmo as fraquezas da direção não incomodam. Bobcat fez do humor negro algo emocionante, uma mistura de gêneros incomum, que tem tudo para dar errado, mas que neste caso ficou na medida certa.

E completando os pontos positivos, temos Robin Willians. Este não é aquele típico papel ensandecido do ator. Aqui nós rimos dele, e não com ele. O protagonista Lance é um homem retraído, melancólico, solitário. Mediocremente hilário, por mais cruel que essa descrição possa parecer. Sua tentativa incansável de ser um bom pai é comovente. E ele não desiste, mesmo com o mais cretino de todos os filhos do mundo. 

Willians entrega tudo que é necessário para a credibilidade do papel: a falta de pretensão, o entrosamento com o elenco, a percepção do despojamento da produção, a seriedade com o tema, o humor embargado. Ele se adapta ao personagem com sua facilidade peculiar. Entre tantos trabalhos memoráveis, este é com certeza um de seus melhores, e talvez o mais desconhecido. 

Não perca tempo e assista. Recomendado. 

PS - Lembra aquele maluco punk do filme Loucademia de Policia? Ele é o diretor.





O Melhor Pai do Mundo/ World's Greatest Dad: 2009/ EUA / 99 min/ Direção: Bobcat Goldthwait/ Elenco: Robin Willians, Daryl Sabara, Morgan Murphy, Naomi Glick, Dan Spencer, Alexie Gilmore, Bruce Hornsby, Krist Novoselic

Calvary

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Calvário irlandês.

Teoricamente, todo o conceito de sacerdócio da igreja católica, faz de seus padres símbolos de bondade, caridade e obediência divina. Infelizmente, a realidade é bem diferente. Dia após dia provas de inúmeros desvios de conduta daqueles que se dizem servos do senhor ganham os noticiários, sendo estes na maioria casos de pedofilia.

Na história de Calvary, conhecemos então o padre James, um sacristão verdadeiramente honesto, devemos ressaltar. Certo domingo, durante uma confissão, ele recebe um ultimato: vai morrer em sete dias (no próximo domingo para ser mais exato). Sua morte inocente pagará os pecados de outros padres culpados, algo justo para o suposto assassino, que quando foi vítima também era inocente.

Aproveitando então este polêmico pano de fundo, a obra tece uma relevante análise do comportamento moralmente decadente, depressivo e carente de significados de parte de nossa sociedade moderna. Um retrato mórbido de como o ser humano pode se perder pelo caminho de maneira irremediável, independente da esfera social ou clero que pertença, do abuso que tenha sofrido ou adversidade que tenha enfrentado.



Pois bem, diante da ameaça de morte, cada dia do padre James ganha mais valor. Conforme a semana passa, o mesmo continua fiel à suas habituais missões pessoais, e é assim que conhecemos os personagens do pequeno vilarejo irlandês em que a história acontece. Estas são pessoas amarguradas, sórdidas, solitárias, libertinas, arrogantes, perturbadas. Uma coleção de atributos forçosamente detestáveis e deprimentes, que exemplificam as vastas possibilidades da condição humana. E para o público, todos são prováveis suspeitos da tal ameaça de morte.

A direção e roteiro são de John Michael McDonagh, autor que tem no currículo o também atípico e transgressor O Guarda. Tecnicamente, Calvary se apoia na complexidade de seus personagens, todos cínicos e honestos na medida exata. A equipe de atores escalada para a produção é extraordinária, com destaque para Brendan Gleesson, interpretando o padre protagonista James. O experiente ator empresta sua forte personalidade para o irmão atribulado, passeando perfeitamente entre melancolia e uma espécie de humor dissonante, mas ainda sim funcional.

No final, Calvary não é uma obra especificamente de cunho religioso, nem sobre pedofilia ou perversidades irlandesas. Na verdade, este é um estudo visceral sobre a desilusão humana, uma concepção carregada de um fatalismo pragmático assustador. Existem alguns sinais de esperança no contexto, evidenciados pela tentativa de redenção da personagem Fiona, filha que James teve antes de optar pela batina. Mas no geral, a desconfortável mensagem que fica é algo como "bem-vindo a este inexorável círculo de confusão e dor... puxe uma cadeira". Recomendado.





Calvary: 2014/ Irlanda, Reino Unido / 100 min/ Direção: John Michael McDonagh/ Elenco: Brendan Gleeson, Chris O'Dowd, Kelly Reilly, Aidan Gillen, Dylan Moran, Isaach De Bankolé, M. Emmet Walsh, Domhnall Gleeson


Chef

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Uma comédia bem temperada e prensada na chapa.

O ator, diretor e roteirista Jon Favreaué definitivamente um sujeito surpreendente. O cara fez de Um Duende em Nova York uma espécie de clássico do besteirol, deslumbrou a todos com o visual arrojado de Zathura - Uma Aventura Espacial, e meio que tornou a Marvel o que ela é hoje, graças a moral conquistada pelo excelente Homem de Ferro de 2008. 

E mesmo depois de derrapar com o esquecível Cowboys & Aliens, Favreau teve a coragem (e sabedoria) de abandonar toda pirotecnia e efeitos especiais das grandes produções, para se reinventar com Chef, uma comédia gastronômica que agrada até mesmo os mais exigentes paladares.

Na história, acompanhamos a viagem rumo a redenção de Carl Casper, que outrora era considerado um grande chef de cozinha, mas que virou piada na internet depois de uma crítica negativa ao seu trabalho - praticamente uma ofensa gratuita, o depreciativo texto descarrilou com a vida do sujeito, ainda mais depois de ganhar proporções virais. 

Sem emprego e sem opções, ele resolve fazer "comida de caminhão", algo bem tradicional nos EUA. Viajando e cozinhando especiarias cubanas em seu trailer personalizado, de Miami até Los Angeles, ele aproveita para estreitar a relação com o filho Percy, que andava sentindo-se meio isolado depois do divórcio dos pais.



É fácil perceber então que, além de apresentar a culinária como tema principal, outros três elementos são explorados a fundo na história: a superação necessária para se fazer aquilo que gosta (neste caso boa comida), as dificuldades de uma moderna relação entre pai e filho, e todo o poder de propagação, idolatria e difamação das redes sociais.

Ao falar da paixão por comida, Favreau opta por um tom quase documental. Suas cenas especificamente demonstram, desde o processo de elaboração de pratos complicados, até o preparo de sandubas de queijo perfeitos. Ele usa uma linguagem tradicionalista, sem firulas ou edição pesada, apostando somente na beleza da arte retratada, e o resultado é de fato cativante. Se assistir com fome, será uma prazerosa tortura.

Já a relação de pai e filho é o que move todo o aspecto moral da obra. Os personagens são muito bem construídos, e isso ajuda no desenvolvimento do tema. Jon Favreau atuando empresta tanta personalidade ao honesto e carismático chef Carl Casper, que fica impossível não entender seus dilemas. O jovem ator Emjay Anthonyé uma revelação como o pequeno Percy. Cheio de naturalidade, sem forçar a barra em momento algum, ele incorpora uma espécie de mini-buddha, totalmente antenado no universo online, mas carente de atenção como qualquer outra criança.

Por fim, temos uma inteligente abordagem das mídias sociais, como elas funcionam a favor quando bem usadas, ou contra quando tratadas com imprudência. Favreau traça uma análise relevante sobre a adaptabilidade de jovens a este assombroso novo mundo da informação, e a resistência dos mais velhos ao mesmo. Basicamente ele diz que: o que é ruim é ruim, mas o que é bom, pode se tornar inspirador.



O time de apoio conta com os atores John Leguizamo, Dustin Hoffman, Robert Downey Jr., Sofia Vergara e Scarlett Johansson - estas últimas duas estão mais bonitas do que de costume, se é que isso é possível. Todo o elenco trabalha bem, e faz isso sem se esforçar muito.

No final, Chef é uma grande surpresa. Tecnicamente, vemos uma coleção de cenas imensamente criativas, sempre muito bem fotografadas, ornamentadas por uma paleta de cores bem definida, e conduzidas por uma trilha sonora latina de altíssima qualidade. O roteiro consegue amarrar muito bem seus temas, misturando e investigando diferentes discussões, tendo tempo ainda de se tornar um road movie atípico. 

O ruim é que, quando o filme acaba, parece que ele apenas começou, e ver os créditos finais é estranhamente triste. Dá vontade de repetir o prato. Recomendado.

PS: Bati o recorde de analogias de comida e cinema. Elas eram obrigatórias.





Chef: 2014/ EUA / 114 min/ Direção: Jon Favreau/ Elenco: Jon Favreau, John Leguizamo, Bobby Cannavale, Emjay Anthony, Scarlett Johansson, Dustin Hoffman, Sofia Vergara, Oliver Platt, Robert Downey Jr.

Sin City: A Dama Fatal (Sin City: A Dame to Kill For)

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#Por entre acertos e pecados 

Em 2004, o lançamento de Sin City: A Cidade do Pecado foi algo transcendental. Vimos com olhos enfeitiçados o nascimento de um clássico sangrento de nossa cultura pop, que ainda hoje é uma forte influência visual e conceitual. Agora, a diferença notável entre A Cidade do Pecado e A Dama Fatal é a falta do elemento surpresa para os fãs. Fora isso, tudo parece exatamente o mesmo. Praticamente um certificado de garantia, não é?  

Sin City: A Dama Fatal foi dirigido por Robert Rodriguez em parceria com Frank Miller, o respeitado autor da HQ homônima que o filme adapta. Percebemos vividamente no roteiro de Miller a valorização necessária de todos os elementos que fizeram de seu trabalho nos quadrinhos algo cultuado, e que obviamente funcionaram perfeitamente no primeiro filme: o amor e sexo como ferramentas de construção moral e psicológica, a vingança e honra como motivações terminais destes mesmos valores, e a violência servindo de expressão artística para a loucura dos personagens. Uma válvula de escape.




As histórias atemporais apresentadas em A Dama Fatal, que se misturam cronologicamente com as de Cidade do Pecado, são guiadas por ações exacerbadas, que chegam a ser caricatas de tão honestas. Temos uma deusa capaz de levar qualquer homem a ruína, um jogador que aposta a própria vida no esforço de ser lembrado, e uma mulher à beira da loucura, guiada apenas por sua sede de vingança. 

Estas três linhas narrativas são quase sempre conduzidas por um poético, eloquente e funesto voice-overO texto de Frank Miller explora o lado mais sombrio do ser humano, mas também se preocupa em revelar fraquezas e sensibilidade. Estes já conhecidos argumentos do autor traduzem com perfeição a sensação de que, em nível molecular, estamos vendo na tela uma adaptação de sua HQ.
  
Visualmente a produção continua impressionante. A edição está mais robusta e criativa, devido a própria evolução tecnológica do cinema, e isso valoriza ainda mais o resultado. As cenas de ação parecem sádicas obras de arte, com balas, flechas e espadas transpassando com elegância o corpo humano. O enquadramento minucioso faz de cada frame um retrato belíssimo, e a trilha sonora caseira de Rodriguez complementa a ambientação.



O elenco conta com atores competentes, que no geral realizam um ótimo trabalho. Mickey Rourke retorna como Marv, talvez o sujeito mais badass das últimas décadas do cinema. Joseph Gordon-Levitté o confiante valete Johnny, personagem criado especialmente para o filme. Jessica Alba consegue, dentro de suas limitações como atriz, trabalhar melhor sua estonteante dançarina Nancy. Josh Brolin convence como Dwight (papel que foi de Clive Owen no filme de 2004), e Eva Green chama atenção com Ava, dama fatal que aparece nua em mais da metade de suas cenas. Realizando pequenas participações vemos também Ray Liotta, Christopher Lloyd, Bruce Willis, Lady Gaga, entre outros.

A falha evidente de A Dama Fatalé sua falta de imersão. A temática pesada, carregada de diálogos pouco espontâneos (por assim dizer) e o roteiro de informações alternantes, torna a experiência mórbida e dissonante além da conta. Isso pode criar uma sensação de morosidade, que no final, para alguns, chega a comprometer todo o trabalho.

Mesmo assim, Sin City: A Dama Fatalé uma realização digna, que carrega a inspiração e suor de Robert Rodriguez e Frank Miller. Os personagens apresentados são impecáveis, as histórias possuem um conceito já mitificado, o estilo visual adotado não só reproduz perfeitamente a inovação dos traços de Miller, na verdade multiplica. Morosidade me parece um preço baixo a se pagar por um trabalho autoral e honesto nos dias de hoje, ainda mais de orçamento enxuto. Recomendado.






Sin City: A Dama Fatal/ Sin City: A Dame to Kill For: 2014/ Chipre, EUA / 102 min/ Direção: Frank Miller, Robert Rodriguez/ Elenco: Mickey Rourke, Jessica Alba, Josh Brolin, Joseph Gordon-Levitt, Rosario Dawson, Bruce Willis, Eva Green, Powers Boothe, Dennis Haysbert, Ray Liotta, Christopher Meloni, Jeremy Piven, Christopher Lloyd, Jaime King, Juno Temple, Stacy Keach, Jamie Chung, Lady Gaga, Alexa PenaVega

Sob a Pele (Under The Skin)

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#Vazio debaixo da máscara

Nada pode te preparar para a estranheza de Sob a Pele. Logo nos créditos iniciais, percebemos que a ficção científica, extremamente atípica, veio para confundir e não explicar. Emulando um conceito abstrato de imagens, adotado por tantos outros clássicos do gênero, vemos nesta abertura estranhas substancias tomando diferentes formas, líquidos viscosos sendo injetados e círculos se encaixando numa espécie de modelagem artificial. Tudo acompanhado por uma trilha sonora hipnotizante.

Este é o surgimento da personagem protagonista, que é basicamente uma peça substituta. Em seguida, já em modus operandi, se iniciam os procedimentos de integração da mesma, com exercícios básicos de civilidade e pesquisas de campo. Estes exercícios trabalham a adaptabilidade da mulher ao nossos costumes, como por exemplo, a capacidade de iniciar uma conversa com um estranho, no caso, um homem potencialmente interessado em relações sexuais. Para ela, essa é a principal regra social a ser dominada. Um critério no entanto é obrigatório para a consumação: quanto mais solitário o alvo, melhor. A autenticidade do flerte é importante, pois o homem precisa, de livre e espontânea vontade (mesmo que dominado por seus instintos), optar por ser consumido.



O tempo de durabilidade da peça substituta no entanto é curta. Algo inevitável, levando em consideração o realismo humano que é personificado. Uma profunda confusão existencial logo debilita a mulher, e a falta de julgamentos morais, necessária para a captação de recursos e cumprimento da demanda de consumo, se torna impossível. Ao compreender que não é uma mulher completa, ela racionaliza que esta fadada ao descarte. Seu período de uso já é provavelmente estipulado de fábrica.

Ok. Existem formas mais clara e resumidas para se descrever esta história, mas elas com certeza arruinariam toda a proposta de investigar a obra. Sob a Peleé basicamente uma experiência cognitiva, que não se parece em nada com uma produção tradicional. Os sentimentos trabalhados aqui não são prazerosos. Existem momentos de total crueldade e morbidez, e a falta de sentimento incomoda, por ser realista demais. Estranha demais.



O diretor e roteirista Jonathan Glazer sempre buscou alcançar extremos em sua carreira, tanto temáticos como narrativos. Veja por exemplo Sexy Beast, seu longa de estreia, que é basicamente uma ode brutal ao desconforto de se presenciar a submissão humana. No entanto, apesar da temática, foi a tensão narrativa criada na obra, e a interpretação arrasadora de Ben Kingsley como o mafioso Don Logan, que realmente se tornaram memoráveis. Em Sob a Pele, alguns podem dizer que Glazer evidenciou uma espécie de discurso em forma de analogia, que diferencia a relação de poder e submissão de homens e mulheres. Porém, acredito que, como autor, sua intenção mais pungente foi realizar um exercício narrativo desafiador. 

A história é bastante simples, analisando superficialmente. Existem pouquíssimos diálogos e nenhum personagem sequer tem nome. Mas é no simbolismo construido em torno dos personagens e suas motivações, que se encontra a força implacável do filme. A valorização das ideias e sentimentos do roteiro é feita com um brilhantismo praticamente inédito, com cenas talhadas de forma impecável, extremamente expontaneas. Nenhuma ideia é explícita, argumentos são abertos a diferentes interpretações. A ambientação é surreal e pessimista. Por mais arrastada que seja certa sequência, é a instigante improbabilidade do tema que mantém todos acessos.


O grande mérito do trabalho vai então para a perícia de  Glazer como diretor. O britânico consegue capturar o cotidiano e o bizarro com perfeição. Os atores locais de Glasgow, cidade escocesa em que tudo acontece, oferecem puro realismo com seus sotaques pesados e comportamentos rústicos. Em certos momentos, não fica claro se os coadjuvantes que passeiam pelas ruas são ficcionais ou reais. E novamente, a trilha sonora, basicamente alienígena, se revela um importante elemento de imersão.

A obra não é um desafio interpretativo para o elenco, mas é preciso saber valorizar a coragem da atriz Scarlett Johansson, que decidiu se envolver com a produção de baixo orçamento, aceitando até mesmo realizar algumas cenas de nu frontal. Seu carisma trabalha a favor, e sua participação se torna verdadeiramente importante para o resultado positivo da fita.

No final, Sob a Peleé um sci-fi formidável. Instigante, criativo e bizarro como nenhum outro já ousou ser. Não é complexo em demasia, nem simplesmente compreensível. Apesar de estar aberto a discussões morais, filosofais e tudo mais, é no quesito técnico narrativo que o trabalho se destaca. Para não dizer que o longa é isento de falhas, no terceiro ato existe uma pequena queda no andamento, mas que logo é atenuada pelo excelente desfecho, psicologicamente brutal. Para quem se arrisca, recomendado.





Sob a Pele/ Under The Skin: 2013/ Reino Unido, EUA, Suíça / 108 min/ Direção: Jonathan Glazer/ Elenco: Scarlett Johansson, Jeremy McWilliams, Lynsey Taylor Mackay, Paul Brannigan

No Limite do Amanhã (Edge of Tomorrow)

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#Viva e deixe morrer

No Limite do Amanhã nos apresenta um dia na vida do oficial Cage. Contra sua vontade, ele é enviado para a mais importante batalha da raça humana contra os Mimics, espécie alienígena que assola a Terra. Por ironia do destino, o soldado se torna peça fundamental para uma possível vitória do exército dos homens, isso ao descobrir que desenvolveu a habilidade de reiniciar aquele mesmo dia toda vez que morre. 

Ou seja, ele não morre. Depois de ser destroçado por um Mimic, esmagado por um avião, ou tomar um tiro na cabeça, Cage acorda sempre na mesma manhã. Tudo ao redor dele acontece metodicamente da mesma forma, mas suas ações podem influenciar a ordem dos fatores, pois aquele que conhece o momento exato de desviar, tem maior chance der vencer o confronto. 

Só que para conquistar a habilidade de realmente conseguir desviar de qualquer coisa, ele vai precisar de muita ajuda, mais especificamente da ajuda e do treinamento da Full Metal Bitch Rita - a tradução seria algo como Vadia de Ferro, um apelido carinhoso da moçoila, que exemplifica o quão eficiente ela é no ofício de matar Mimics.

O grande diferencial de No Limite do Amanhãé seu humor. Tom Cruise realiza um excelente trabalho ao fugir daquele estereótipo de fodão, e se permite ser enxovalhado e humilhado por tudo e todos. Obviamente, com o tempo ele se torna o fodão, mas até lá a zuera é imensa. Depois resta apenas acompanhar as sequências de ação, que são arrasadoras, para se dizer o mínimo. 

Efeitos especiais incríveis criam uma espécie de inimigo espacial extremamente ameaçador, uma mistura das sentinelas do Matrix com o Space Jockey do Ridley Scott. Todo trabalho de cenografia, trilha sonora e figurinos funcionam perfeitamente. Os pesados trajes, que servem como exoesqueletos que fortalecem os soldados, geram algumas sequências bélicas memoráveis, e também ótimas piadas.

O filme foi dirigido pelo americano Doug Liman. Ele fez o primeiro A Identidade Bourne, mas depois lançou algumas porcarias, como Jumper e Sr. & Sra. Smith. Aqui ele finalmente se redime. Como toda a história se passa no Reino Unido, e a maioria da equipe de filmagem e elenco é formada por europeus, incluindo a belíssima e atlética Emily Blunt, o filme ganha um caráter intercontinental bem distinto, ainda mais com a cara do Tom Cruise como astro principal. Uma mistura de influências que sempre funciona bem, pois mescla aquela autenticidade técnica imersiva do cinema europeu, com o sentimento "Explosions? Fuck Yeah!" de Hollywood.

Enfim, No Limite do Amanhãé tão divertido que você vai querer ver de novo. É o dia da marmota mais uma vez. A direção de Liman é precisa, o roteiro, que adapta a série mangá All You Need is Kill, de Hiroshi Sakurazaka, chega a ser brilhante em determinados momentos, inovando de maneira instigante este conceito de repetição. E Tom Cruise e Emily Blunt formam uma dupla implacável, que no final do dia, se tornam heróis admiráveis. Recomendado.



No Limite do Amanhã/ Edge of Tomorrow: 2014/ EUA, Austrália / 113 min/ Direção: Doug Liman/ Elenco: Tom Cruise, Emily Blunt, Bill Paxton, Brendan Gleeson, Jonas Armstrong, Tony Way, Kick Gurry, Franz Drameh, Charlotte Riley

Mapa para as Estrelas (Maps to the Stars)

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#Incesto de Cronenberg é mainstream

Mesmo para um trabalho de David Cronenberg, Mapa para as Estrelasé imensamente perturbador. O diretor canadense, celebrado por clássicos bizarros e surreais (como Videodrome, A Mosca, Marcas da Violência...), conseguiu se superar na estranheza, e como de costume, manteve seu nível técnico eficiente e narrativa impecável.

Usando o enorme letreiro de Hollywood como paisagem, e canalizando tudo que o distrito representa em uma inspiração catártica, o roteirista Bruce Wagner criou um repugnante submundo de celebridades para validar a perversidade de sua história. Completamente desequilibrados, estes personagens são o resultado de um passado marcado por incestos, incêndios fatais e episódios de esquizofrenia.

Cronenberg decide então nos jogar de cabeça dentro da trama de Wagner. Nela, tudo e todos são direta ou simbolicamente interligados. Inicialmente, ainda sem contexto, somos estimulados a elaborar nossas deduções sobre o que diabos está acontecendo. Já na metade do segundo ato, todas as motivações estão expostas e se amarram perfeitamente. 

Nesta atraente Los Angeles depravada, de artistas oportunistas e parasitas bem vestidos, nada parece louco o bastante. O absurdo e a futilidade fazem de Mapa para as Estrelas algo cinicamente irônico. Existe uma licença poética funesta que mascara o desconforto, ou pelo menos tenta. Vender tamanha polêmica numa embalagem mainstreamé uma realização digna de aplausos.



Em certa cena, por exemplo, acompanhamos perplexos uma filha que vê sua jovem mãe morta lhe assediando sexualmente. Como atenuar tamanho absurdo? Não atenua. Mapa para as Estrelasé todo sobre cadência de ritmo, ilusão e realidade, felicidade plena e depressão absoluta. Essa gangorra de emoções exemplifica as variações de tom adotadas pelo diretor, que no final impulsionam a trama quando necessário, tirando tudo da aparente normalidade e guiando as coisas de mal a pior de maneira acelerada. Repentino, mas coerente dentro da proposta.

Porém, nada seria possível sem o grande elenco escalado. Um dos destaques é Evan Bird, jovem talento que revela enorme personalidade como o astro problemático Benjie Weiss. Mia Wasikowska está competente e linda como sempre, mesmo com extensas cicatrizes de queimadura no rosto. John Cusak entrega seu melhor trabalho dos últimos 14 anos, e Julianne Moore não chega a convencer totalmente como Havana Segrand, no entanto, é compreensível que não exista empatia dela com a personagem. Havana é extremamente doentia. Recomendado.





Mapa para as Estrelas/ Maps to the Stars: 2014/ Canadá, EUA, Alemanha, França / 111 min/ Direção: David Cronenberg/ Elenco: Julianne Moore, Mia Wasikowska, John Cusak, Evan Bird, Olivia Williams, Robert Pattinson, Sarah Gadon

Boyhood: Da Infância à Juventude (Boyhood)

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#Ficção da vida real

Quem conhece a fundo a invejável carreira do diretor texano Richard Linklater, sabe que todo e qualquer tema abordado por ele é retratado de maneira única. Tanto faz se está falando de uma última viagem existencial pelo mundo dos sonhos, ou sobre as razões que fazem do Rock 'N' Roll um gênero musical obrigatório nas escolas. Linklater hoje parece incapaz de errar, e o segredo por trás de tamanha eficiência é quão pessoais são seus trabalhos. Ele não cria apenas filmes, ele cria um marco na vida de todos os envolvidos. Seu amor pelo cinema é palpável, e sua gana por inovar a narrativa de uma história parece ilimitada.  

As alegrias e dilemas da juventude são temas característicos do diretor, e sua obra prima Boyhood se tornou o trabalho definitivo sobre o assunto. Antes intitulada The Twelve-Year Project, a produção levou 12 anos pra ser finalizada. Em 2002, quando Linklater resolveu por em ação esta ousada ideia, o ator protagonista do filme, Ellar Coltrane, tinha 7 anos de idade. Hoje, em 2014, ano de lançamento de Boyhood, Coltrane completou 20 anos. O diretor literalmente registrou um garoto se transformando em homem. O envelhecimento do personagem Mason Junior foi real e diante das câmeras, e isso é uma experiência incomparável. É o cinema transcendendo suas barreiras conceituais e programáticas.



Obviamente não é só Mason quem envelhece. Sua irmã Samantha, seu pai, sua mãe, seus padrastos, seus amigos, todos se transformam. Linklater havia feito algo parecido com isso na sua fantástica Trilogia do Antes, mas o efeito nem sequer se compara ao de Boyhood. Ele até mesmo fez o ator Ethan Hawke prometer que terminaria de dirigir o filme, caso morresse.

A história de Boyhoodé simples e complicada como a vida real. Ela fala principalmente de pessoas, e como elas reagem aos acontecimentos da vida, como divórcios, mudanças de cidade, de escola, de conduta, amizades perdidas, namoros, alcoolismo, violência, recomeço. O grande trunfo por trás deste conceito único, é que temos um grupo de personagens extremamente familiar, cujo apego é instantâneo. Somos induzidos com facilidade a julgar e perdoar estas pessoas, que possuem defeitos e qualidades tão próximas das nossas.




E como se subtende, o elenco trabalha de forma inspirada, em especial a atriz Patricia Arquette, que interpreta a mãe Olivia. A timeline da personagem é a mais atribulada, o que faz de sua mutação como pessoa a mais complexa. Arquette vai de vítima para vilã, e para vítima novamente com uma naturalidade tremenda. Olivia é sem dúvida uma das mais emblemáticas mães do cinema.  

Já no time mirim, ao invés de interpretações, o que vemos é uma exteriorização de comportamento. Para muitos deles, Boyhood foi a primeira experiência frente às câmeras. Toda cena, todo roteiro de cada etapa do filme, foi feito em parceria com os atores, que opinavam e decidiam o que seria melhor em determinado momento. É por isso que a naturalidade dos pequenos é enorme. Em cena, eles dizem o que pensam, e basicamente com suas próprias palavras.

Outro fator muito interessante são as referências de Linklater à cultura pop da época. Logo no início, a menina Samantha (interpretada por Lorelei Linklater, filha do diretor), canta a música Oops!...I Did It Again de Britney Spears, definitivamente um símbolo de outros tempos. Anos depois, vemos as crianças esperando ansiosas o lançamento do livro Harry Potter e o Enigma do Príncipe (personagem que no cinema também envelhece com seus fãs), e assim vai. Por entre conversas sobre Facebook e Star Wars, o diretor monta sua ambientação da década passada, com elementos quase didaticamente inseridos.   

No entanto, mesmo diante desta aparente positividade do tema, a moral meio que se divide, oferecendo diferentes pontos de vista para os jovens e para os "não tão jovens". Para os primeiros, o mundo é visto como um horizonte sem fronteiras, de infinitas e instigantes possibilidades. Já para os outros, a confusão e decepção com as próprias vidas continua uma melancólica e debilitante realidade. Linklater nem tenta responder a impossível pergunta de Mason, "Qual é o sentido afinal?", mas como disse John Lennon, "A vida é o que acontece enquanto fazemos planos", por isso o que fica é: viva a vida, do jeito que ela vier, pois é a única que você terá. Mas faça seu melhor, ou pelo menos tente. Provavelmente isso vai fazer diferença. Filme obrigatório.

PS: Espero ver Mason no cinema de novo, talvez daqui 12 anos.


       

Boyhood: Da Infância à Juventude/ Boyhood: 2014/ EUA / 165 min/ Direção: Richard Linklater/ Elenco: J Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Lorelei Linklater, Ethan Hawke, Marco Parella, Jamie Howard, Andrew Villarreal, Zoe Graham, Brad Hawkins

Lucy - Crítica

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#Hipoteticamente Badass

Já é uma informação bem conhecida, de que o ser humano usa apenas 10% de seu cérebro. Parece pouco, mas tudo que temos hoje foi conquistado com esses 10%. Agora pense: o que aconteceria se alguém alcançasse 100%? Responder essa enigmática, e ao mesmo tempo instigante pergunta, é a missão fundamental do filme Lucy.

Bem, aparentemente é impossível teorizar o que aconteceria no caso dos 100%, maso diretor e roteirista francês Luc Besson arrisca seu palpite. Na história, a protagonista Lucy é forçada a carregar dentro de seu corpo o pacote de uma nova droga sintética, que ainda não foi propriamente testada. Depois de ser espancada brutalmente, o pacote se rompe dentro dela, e uma alta dose pura da droga cai em sua corrente sanguínea. O efeito é imediato, e a substância faz Lucy transcender como ser humano, literalmente subir pelas paredes.




Gradativamente sua capacidade cerebral aumenta, e com isso seus novos "poderes". No início ela consegue flutuar, controlar dispositivos eletrônicos, ler a mente das pessoas, consegue até mesmo se lembrar do gosto do leite materno de sua mãe. Tudo sem nem mesmo chegar nos 40%. Depois de sentir e compreender a razão de tudo que existe, Lucy quer apenas completar os 100%, para assim responder a tal pergunta de que falei no começo.


Veja bem, Lucy não é um filme perfeito, mas diverte acima da média. Perder o controle deste tema, e de seu inimaginável escopo, parece algo fácil de acontecer. Por isso, inteligentemente, Luc Besson faz com que toda a história se desenrole em questão de horas, diminuindo assim a probabilidade de incoerências, pelo simples fato de existir pouco tempo pra isso.


Só que mesmo assim as tais incoerências existem, afinal, estamos falando de uma garota que em questão de minutos aprende a falar chinês, diagnosticar doenças ao olhar dentro das pessoas, e que não sente mais dor, medo ou qualquer tipo de sentimento que possa se tornar um impedimento de racionalidade. Ou seja, não forçar a barra é algo fora de cogitação. Sendo assim, os problemas da história acabam sendo minimizados pela pressa, mas não esquecidos.






Tecnicamente o trabalho é competente. Besson possui uma estética de filmagem diferenciada, que fica impressa em nossas retinas. Felizmente, aqui ele vai um pouco além disso, e oferece para narrativa algumas novas ideias que funcionam perfeitamente, como as montagens documentais que servem de analogia aos argumentos da história. Por exemplo, no início, quando Lucy é sequestrada pelos mafiosos donos da droga, o diretor intercala cenas de uma savana em que um tigre se aproveita da falta de atenção de sua presa. Uma ideia simples, mas que dá um toque de classe na produção. 


De resto, vemos a essência de Besson, com lutas coreografadas, imensos tiroteios, perseguições em alta velocidade envolvendo muitos carros, e pesados efeitos especiais. Tudo isso agrada bastante, mas o diretor ainda sofre dos mesmos problemas de seus trabalhos anteriores, que é a valorização excessiva de determinadas cenas. Ele enrola muito. Isso faz com que uma ideia instigante acabe se tornando um tédio, o que é decepcionante. Mas no geral, os acertos superam os erros.




E estampando o cartaz do filme vemos Scarlett Johansson. A atriz americana vem chamando atenção com suas escolhas de trabalho, e de uma forma bastante positiva (vide Her, Sob a Pele). Sua Lucy começa como um mero estereótipo, e se transforma numa espécie de Dr. Manhattan. É inegavelmente maneiro vê-la em ação, e perceber o quão badass ela se torna. Não é um trabalho complicado, mas Johasson convence, pelo simples fato de apreciar a personagem de maneira autêntica.


Morgan Freeman também realiza uma ótima participação como o Professor Norman, que por ser o maior especialista nos estudos que envolvem os limites de capacidade do cérebro, se torna a única pessoa capaz de compreender a evolução de Lucy, ou pelo menos tentar. Já o ator Min-sik Choi (vulgo Oldboy) é o vilão da fita, mas sua presença infelizmente não é valorizada, e seu mafioso Mr. Jang parece apenas um clichê barato, violento e sem propósito – esse é talvez o maior erro de todo o filme.


Mas Lucyé entretenimento. A produção tenta discutir alguns aspectos filosofais sobre nossa existência, e tem boas ideias sobre assunto, mas em momento algum consegue ser levada a sério neste sentido. No final, os excelentes efeitos especiais e a direção eficiente de Besson são pontos importantes, mas o que faz de Lucy relevante é o fato de Scarlett Johansson chutar bundas e se tornar invencível. 65% Recomendado.






Lucy: 2014/ EUA / 89 min/ Direção: Luc Besson/ Elenco: Scarlett Johansson, Morgan Freeman, Min-sik Choi, Amr Waked, Julian Rhind-Tutt, Analeigh Tipton

Queen + Zumbis = Musical de The Walking Dead

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O canal do youtube The Hillywood Show publicou recentemente esta paródia intitulada simplesmente como The Walking Dead Parody. Ao som da emblemática Another One Bites the Dust, do Queen, eles transformaram o clima de horror da galera do Rick em um musical sanguinolento.Veja aí.

Hayao Miyazaki está Trabalhando em Mangá

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Fãs órfãos de Hayao Miazaki agora tem um motivo para se alegrar. Aparentemente o famoso diretor japonês, responsável por clássicos da animação com o Studio Ghibli, não se aposentou por completo. Em uma recente entrevista para o L.A. Times, Miazaki disse que uma de suas atividades diárias, agora que está aposentado, é trabalhar em seu antigo hobby de produzir mangás. Ele disse:

"É algo que queria fazer quando era estudante. Trata-se de samurais do século 16, usando armaduras completas, lutando entre si. Eu estava muito insatisfeito com a maneira que aquela era foi retratada na ficção e no cinema, então queria desenhar algo que refletisse minha maneira de pensar sobre como esta era deveria parecer. O grande diretor Akira Kurosawa fez seus filmes em espaços amplos e abertos, como campos de golfe, e não havia esses espaços amplos e abertos no Japão"

De fato uma notícia animadora, que deixa os fãs com esperanças de pelo menos ver o texto do diretor adaptado para o cinema. Pois afinal, não é todo dia que o mestre do anime surrealista busca autenticidade histórica na era dos samurais.  

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